Rosane Roehrs gelati
Destaque no Concurso Literário Larí
Francescheto – Triunfo - RS
Era véspera do dia das mães e eu estava fazendo na minha “visita” semanal no supermercado. Com o chimarrão na mão, em pé aguardando a vez, trocando o peso de perna para não cansar muito, acompanhada da minha filha, percebi na fila ao lado duas menininhas, que pela semelhança fisionômica, concluí serem irmãs. Não havia contraste com a aparência humilde e o que seguravam para embrulhar. Cada uma possuía um pequeno pote de plástico transparente com tampa colorida, comprado nas lojas de R$ 1,00. Ao ser atendida, colocando os bracinhos sobre o balcão, olhos atentos, mostrando timidamente o que tinha na mão, uma pediu à atendente para fazer um embrulho para dar de presente à mãe.
O que era para ser somente um momento na fila para empacotar um presente transformou-se em uma, aliás, duas viagens ao passado, refletido naquilo que eu vi. A Psicologia explica essa volta ao passado diante de uma situação semelhante vivida por nós.
A primeira viagem foi a um remoto dia das mães, quando pequena eu e meus irmãos tínhamos comprado uma xícara com os dizeres “Querida mamãe” para dá-la a nossa mãe. Éramos quatro irmãos e não tínhamos dinheiro nenhum, nosso pai nem lembrava que dia era aquele. Compramos na cooperativa em que éramos associados por sermos agricultores, “na conta”. Fizemos um cartão e pacote simples e entregamos à mãe. Ela gostou. Elas sempre gostam. Mas quem não quer dar algo mais à mãe do que uma xícara ou um pote de plástico? Podem me chamar de materialista. Sei que sou, que todos somos, que vivemos num mundo capitalista e só prega que não é importante o dinheiro, quem o tem em abundância. As teorias de desapego e antimaterialista são feitas, normalmente, por quem recebe e dá enoooooormes presentes. Senti um aperto no peito, acompanhado de um misto de revolta e indignação. Um presente melhorzinho não faz mal a ninguém, normalmente o efeito positivo é maior em quem dá do quem em quem recebe. É claro que a gratidão, o carinho, o amor, etc... devem ser valorizados e acompanhar o embrulho. Obviamente. Um completa o outro. Minha mãe ainda tem a xícara e eu ainda tenho as lembranças.
A segunda foi a minha primeira série (agora ano) do Ensino Fundamental. Iniciava o 2° semestre. Eu estava chegando à cidade e consequentemente, à escola. Não tinha lápis preto de escrever e minha santa mãe providenciou um: deu-me um lápis preto de colorir. Sabíamos a diferença entre os lápis, que tinham funções diferentes e sabíamos, também, que não tínhamos dinheiro para comprar sequer um de escrever. Vínhamos de outro estado. Tudo era novo: cidade, parentes, costumes, escola, professores e colegas. Se não bastasse isso para mim, eu não tinha lápis. Lápis de escrever. Que vergonha: ir para a aula sem lápis. Já em aula, a professora alertou-me sobre o “equívoco” do lápis. Pediu que minha mãe comprasse outro para o dia seguinte. Disse que sim. Falei com a mãe, ela constrangida disse que não podia naquele dia, No outro dia tentei esconder minha mão, debrucei-me sobre o caderno, não ergui os olhos, mas a professora aproximou-se, olhou para minha mão e chamou minha atenção quando viu que eu não tinha comprado outro. Disse-lhe que havia me esquecido de falar para minha mãe. Deu-me, insensivelmente, mais um dia de prazo para providenciar outro. Que agonia! Que tristeza! Como falar pra minha mãe sem magoá-la mais? Resultado. Sem lápis e sem dinheiro, fiquei uns dias em casa dizendo que não estava bem, até que ganhei de uma tia um lápis para escrever. Abençoada tia.
O papel da professora vai muito além de ensinar conteúdos e ter sensibilidade é o primeiro requisito exigido para ser uma boa educadora, que desempenha vários papéis em sala de aula, dentre eles, de professora. A minha não tinha.
A pobreza cobra seu preço e só paga, pasmem, quem não tem dinheiro.
rosane.r.gelati@gmail.com
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