domingo, 29 de agosto de 2010

O Amargo sabor do Pirulito

Rosane Roehrs Gelati
Publicado na antologia poética do Prêmio Literário de Porto Seguro de Contos 2009

Faz aproximadamente quatro décadas que aconteceu o que vou contar. Eu tinha quatro anos. Morávamos no interior de Nova Santa Rosa, no Paraná, local onde eu nasci. Hoje já é emancipado, naquela época ainda não o era. Pertencia ao município de Toledo. Vim para o Rio Grande do Sul com sete anos.
Foi num dia de verão, tinha muito sol. Brinquei todo dia com meus irmãos. Raramente minha mãe se deslocava para a “vila”. Ficávamos radiantes quando isso acontecia, pois ela sempre voltava com alguma “coisa boa” para nós. Era bala, pirulito ou algo parecido. Sou a segunda dos quatro filhos que meus pais tiveram. Temos pouca diferença de idade. Bem, mas vamos ao caso. Minha mãe saiu pela manhã e só voltou à tarde. Meu pai e meu irmão mais velho, o César, que tinha cinco anos na época, foram pegar um cavalo no potreiro. Meu pai pediu-me para cuidar dos meus irmãos menores, para não deixá-los sair de onde estavam, pois era perigoso. Tinha uma vaca pouco amigável. O Airton tinha três anos e a Nica estava com um ano e por sorte minha, dormia como um anjo no carrinho numa sombra perto de nós. Lá estava eu, magrinha, sardenta, pequena, sentadinha perto da cerca e segurando a mão do Airton, olhando o pai e o César.
Eram aproximadamente dezessete horas. Eles estavam a uns cem metros de distância tentando pegar o dito cujo cavalo. Era interessante vê-los correr atrás de um cavalo, tentando laçá-lo e o cavalo desviando-os. Quando olhei para o lado, bem distante, avistei minha mãe. Ela estava a pé, é claro, e para encurtar distâncias, atravessou o potreiro. Não deu outra, saí em disparada, correndo como uma maluca para encontrá-la, bracinhos abertos, um sorriso tamanho do mundo, gritando “manhêêêê”. É inexplicável como lembro do fato como se fosse ontem. Visualizo minha mãe também correndo e gritando. Meu pai gritava, todos gritavam e eu não tinha entendido. Achei que todos estavam felizes como eu. Quando olhei para trás, vi que a vaca chamada Fumaça estava chifrando meu irmãozinho. Jogava-o contra uma parede, dava uns passos para trás e novamente pagava-o com os chifres e jogava-o longe. Era a minha vaca que estava tentando matar meu irmão. Apesar de nunca ter chegado perto dela, eu gostava daquele animal. Diziam que era minha e para mim esse já era um bom motivo para gostar do bichinho. E era bonita a danada, tinha um pêlo claro, liso, era bem gorda, ainda não tinha sido mãe. Foi uma cena horrível e inesquecível. Ela só não o matou porque meu pai conseguiu pegá-lo uma das vezes que a vaca o jogou com seus chifres contra uma parede que havia no local.
Bem, o pior para meu irmão tinha passado, mas para mim estava ainda por vir. A Fumaça já tinha levado várias chicotadas e continuava espumando, andando rapidamente de lá para cá, furiosa.
Minha mãe socorreu o Airton, e meu pai resolveu castigar-me. Acho que seria melhor para mim se a própria Fumaça me castigasse. Ele “delicadamente” foi me chutando, creio eu que por uns cinquenta metros. Calçava umas botas pretas de cano longo, essas que se usa para enfrentar barro, chuva, para cavalgar ou tantas outras coisas. Eu rolei com seus delicados chutes, até um poço artesiano que tinha em frente à porta de nossa casa. Deu-me mais umas “cintadas” para que eu “obedecesse na próxima vez”, com certeza não pensou no que fazia, pois o que ele fez comigo, foi bem parecido com o que a vaca fez com o meu irmão. Acho que desmaiei, somente lembro-me da mãe chorando e tentando atender os machucados do Airton e defender-me da fúria de meu pai. Consigo sentir o gosto de terra na boca, pois o chão estava muito seco e tinha muita poeira. Meus cabelos eram fininhos e a pele era clara, como até hoje, por isso alguns me chamavam de “gringuinha”. Todo meu minúsculo corpo doía e tinha terra. Santa mãe. Aliás, acho que essa é uma das funções que as mães sempre têm: apaziguar.
Ah, os pirulitos e as balas? Não me lembrei de perguntar se a mãe os havia trazido. E depois de tudo o que tinha acontecido, eu nem queria, acho que teria um gosto muito amargo. A vaca foi vendida para evitar novos incidentes. Lá se foi a Fumaça.
Bem, sobrevivemos. Atribuo a este fato a minha pouca simpatia a vacas, bois e “seus derivados”. Tenho medo deles. Prefiro animais mais inofensivos, do tipo peixes, pássaros....

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